terça-feira, 7 de abril de 2015

O TERNO


FORMAÇÃO ORIGINAL DA BANDA O TERNO
Por Laila Araujo Coelho
Os anos sessenta foi uma década que influenciou os movimentos da contracultura. Nessa época o rock and roll passa a ser chamado apenas de rock, e o seu principal expoente dentro do gênero são os Beatles (John Lennon, Paul McCartney, George Harrison, Ringo Star). E até hoje continuaram servindo de referência para inúmeras bandas, entre elas os paulistas do O Terno. Mas as referências, influências ou homenagens, não se restringem apenas aos rapazes de Liverpool (Reino Unido), com toques da Jovem Guarda, como na primeira faixa que abre o segundo álbum da banda: “Bote ao Contrário”. Eles fazem um som com uma pegada de rock, bossa nova e vanguarda.

Até da fonte do Tropicalismo eles já beberam, como nos arranjos de “Ai, ai, Como Eu Me Iludo”, forte influência do disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circensis (1968), que tinha Gal Costa, Mutantes, Nara Leão e o Tom Zé, este último que é personagem da letra irônica, “Papa Francisco perdoa Tom Zé”. A participação do psicodélico cantor é intensificada na faixa “Medo do Medo”, com solos de guitarra nervosos de Bernardes, que fala sobre tristeza, dor e uma leve pitada de suicídio, do disco homônimo O Terno (2014).

DIVULGAÇÃO PROMOCIONAL DO ÁLBUM O TERNO (2014)
 
A banda é formada pelo guitarrista Tim (Martin) Bernardes (vocal e piano), pelo baixista Guilherme de D´Almeida (Peixe) e pelo baterista Gabriel Basile (que já vinha acompanhando a banda nos últimos shows que fizeram no nordeste), que ficou no lugar de Victor Chaves, que permaneceu junto ao trio por seis anos.

Eles estão na ativa desde 2009, mas foi só em 2012 que lançaram o seu primeiro álbum: 66, que saiu de forma totalmente independente e com um surpreendente apoio da crítica musical e do público. Tiveram talento e sorte. O jornal O Globo classificaram o disco da banda como sendo, “um dos mais impressionantes discos de estreia de uma banda brasileira”. Pela revista brasileira Rolling Stones eles ficaram entre os 25 melhores álbuns de 2012. E no Prêmio Multishow (2012), venceram na categoria de melhor clipe, com o molhado e divertido “66”, produzido pela Alaska Filmes, dirigido por Marco Lafer e Gustavo Moraes. A banda aparece tocando debaixo d´água, dentro de uma piscina e em outros cenários aquáticos. A letra rebelde fala justamente da comparação da crítica com o estilo musical retrô; anos sessenta do disco, que o que eles cantam, já foi cantado por outras inúmeras bandas, e se inovarem, vão falar mal.
 

Em 66 o disco deixa transparecer mais uma busca por uma identidade sonora. Assumidamente influenciados pela musicalidade da década de sessenta e a perseguição por mostrar um som atual, esse novo rock que vem se desenvolvendo desde os anos dois mil. Como na terceira faixa “Eu não preciso de Ninguém”, que entra o rock clássico e inconsequente.

Na mesma pegada psicodélica eles entregam “Zé, Assassino compulsivo”, com algumas histerias e humor negro: Enforcou sua coleguinha quando era do pré/Mas que belo assassino que Zé se tornou/Sempre alegre a cantar, a colega ele matou/Zé pegou a namorada com um amante, nu/E em vários pedacinhos Zé o picotou/Escondeu todos os restos lá no seu jardim/E alegre e sorridente Zé cantava assim. Que bem lembra o personagem Alex DeLarge (Malcolm McDowell) no filme Laranja Mecânica (A Clockwork Orange,1971,EUA) de Stanley Kubrick, na famosa cena de violência em que Alex invade a casa do escritor, enquanto canta I'm singing in the rain.

 “Morto” exala as cores de Araçá Azul (1973) de Caetano Veloso, Se você quiser acreditar/No cemitério do Araçá/Tem uma pedra com seu nome. O universo do cantor baiano ainda é percebido, ou seria perseguido em “Eu não preciso de ninguém”, com muito bom humor e diálogos sensíveis eles deixam transparecer aspectos das composições de Caetano.

Divagam por algumas décadas e estilos musicais conhecidos e se fundem na vanguarda urbana paulistana, famosa nos anos oitenta. Dois anos antes já tinha aparecido o grupo Garotas Suecas em Escaldante Banda, claro que com menos rebusco. Os protagonistas de 66 são as guitarras que sustentam a base para que a tríade masculina se expresse de forma nostálgica e criativa, juntamente com os versos irônicos e autorais, entregando um dos álbuns mais inventivos de 2012.

O disco tem 10 faixas, sendo que cinco delas são autorais, as outras são de Maurício Pereira (Os Mulheres Negras) com arranjos do trio. Com uma proposta instrumental autêntica, eles poderiam até parecer um tanto repetitivos para os menos atentos. Só que a força das letras e a bagagem musical empregada com maturidade e o poder vocal de Tim Bernardes transformam a sonoridade da banda que vai desde uma leveza até a complexidade de versos, bem melhor do que outras bandas que já apareceram por aí.

O LOLLAPALOOZA 2015 FOI DE TERNO

Um festival conhecido por trazer as bandas do cenário indie mundial para terras brasilis, nada mais justo do que ter em um de seus palcos a melhor banda rock independente da atualidade.

 
Eles se apresentaram no segundo dia do festival (29/03), debaixo de céu nublado, assim como na letra “O Cinza”, trajando capas de chuva amarelas. As investidas nostálgicas do grupo paulistano parecem ter agradado não somente ao público, mas a crítica também, que elogiou a qualidade técnica do trio.

Mesmo sendo prejudicado por falhas no som, O Terno entregou afinação nos acordes de guitarra, piano e no órgão Hammond de Bernardes. Até ironizaram quando agradeceram Jack White e Robert Plant, “Que sorte a nossa de ter gente como Robert Plant e Jack White abrindo nosso show”, brincou Tim Bernardes.

As músicas que mais empolgaram foram “Eu não preciso de ninguém”, “Papa Francisco perdoa Tom Zé”, “Ai, ai, como eu me iludo” e o hit psicopata “Zé, assassino compulsivo”. Aos poucos eles estão rompendo com o estilo “tradicional” pelo que se entende como características de uma banda de rock.

O Terno faz parte dos novos artistas que surgiram pós-2010, ainda que causem impacto logo de cara por causa do tropicalismo de Caetano Veloso, tão clara na letra, Todo dia a gente pensa que dorme/Mas ninguém sabe o que acontece/Quando estamos todos dormindo. De Transa (1972) do clássico álbum do cantor e fonte de influência quase que paranoica.


TIC-TAC/HARMONIUM

Em novembro de 2013 O Terno apresenta o EP Tic Tac/Harmonium, que tem o lado A e B, com o nome das músicas respectivamente. Quem ouviu a versão online conferiu o bônus track “Blood Stains”, cantada pelo alter ego da banda “The Suit”.

Somos escravos do tempo e o relógio é o martelinho pertinente que nos persegue durante toda a vida, “Tic Tac” fala exatamente disso e da correria da vida moderna (no clipe fica bem explícito).  

“Harmonium” prende-se numa lenta tristeza, Será que ninguém/Consegue assistir/O que a gente faz/Sozinhos aqui/Será que depois/Que a gente morrer/Vamos assistir/O que não deu pra ver/Num grande cinema/Com quem já morreu. É realmente o lado B, oposto daquilo que foi visitado pela banda em 66.

A década de setenta e a influência do Soul Music em artistas como James Brown, Tim Maia e Amy Winehouse, todos serviram de ingredientes para compor as músicas do EP. Tudo o que eles mostraram no disco anterior se transformou em uma lista assertiva de referências que permeiam todo o universo da banda, incluindo os dois discos e o EP.

E mais uma vez a banda acerta na qualidade da relação do som com o vídeo, no clipe “Tic Tic”, que foi produzido pela Amnésia Filme. O clipe é a integração da letra com os acordes da música. Eles são confiantes e sabem o que estão vendendo para o público.
 

Mesmo sem ter uma quantidade razoável de vídeo clipes, eles surgem de uma maneira tão natural, que é fácil absorver o que eles estão tentando expressar. Eles brincam com a relação do tempo, a imagem em câmera lenta na corrida promovida pelo trio, vai absorvendo os mais fracos, causando um impacto maior conforme a faixa vai acelerando.

ÁLBUM “O TERNO” (2014)

CAPA DO ÚLTIMO DISCO

Depois de usurparem até a última gota de inspiração que os anos sessenta deixaram através de bandas como Os Beatles, Mutantes, The Kinks, Tom Zé... O Terno entrega o atemporal disco que leva o mesmo nome da banda, consolidando de vez o stalker pela figura do cantor e compositor Caetano Veloso. Mas, com a mesma verve psicodélica irônica de seu antecessor, 66. Sem a sonoridade tão saudosista que impregnou, deixando para trás a década tão influente.

Do resgate nostálgico do disco de estreia, agora soa mais como uma inspiração conceitual, deixando-os mais “organizados”. Os arranjos e letras evoluíram para mostrar o novo segmento sonoro desenvolvido pela banda.

Os versos tortos e a visão deles da Paulicéia Desvairada, são vista na segunda faixa de abertura, “O Cinza”. A guitarra ensurdecedora de Bernardes e o seu poderoso vocal vão de encontro ao oposto do vintage do passado. Eu abro o olho e vejo no meio da rua/Sinal fechado o tempo passa e nada muda/O povo corre mas não sabe bem pra onde/No fundo só querem fugir pra muito longe/Mais um fim de tarde que garou em SP. Com uma letra que foge do genérico, usando a descrição para compor uma homenagem a cidade de São Paulo.

Mais abrangente do que o disco anterior, que metade dele era de composições do pai de Bernardes, Mauricio Pereira. Este último abre espaço para o regaste de uma nova estética, já conhecida em 66. Como a já mencionada “Medo do Medo”, assustadora. Abre passagem para o amor, mesmo que de forma retraída, Juntos por todo esse tempo/Às vezes eu me lamento/Eu fui feliz do seu lado, em “Eu vou ter Saudades”. Acentuando o inteligente humor irônico conhecido do trio com “Brazil”.

 Se em seu début O Terno fazia experimentos na busca da “identidade sonora”, apoiados no que os anos sessenta tinham a oferecer, na segunda empreitada eles assumem a maturidade e a evolução do que seria uma banda de rock garage.

As participações especiais do último disco vão desde Tom Zé, e a sua presença psicodélica; Marcelo Jeneci é o convidado que toca um órgão farfisa na fantasiosa “Quando estamos todos dormindo”; um verdadeiro órgão Hammond da década de sessenta é tocado pelo músico da banda Cachorro Grande, Pedro Pelotas, nas faixas “Ai, ai, como eu me iludo, que lembra as músicas dos antigos festivais e na balada “Eu vou ter saudades”, Luiz Chagas, Tulipa Ruiz e Arnaldo Baptista (Os Mutantes) também participam dessa última, lembrando que O Terno começou tocando covers dos Mutantes; a faixa “Desaparecido” tem as pinceladas cinematográficas da dupla André Vac e Gabriel Milliet (Memórias de um Caramujo), com rabecas e sopros em um universo bem camerístico.

A gravação do segundo disco foi um pouco mais demorada e detalhada, eles utilizaram o Estúdio Canoa, para produzirem e colocarem em prática todas as teorias, experimentos, referências e ideias acumuladas durante os últimos anos. A mixagem ficou por conta de Gui Jesus Toledo e preferiram gravar primeiro as bases ao vivo, para depois injetarem os overdubs.

O Terno também pode ser encontrado em dois formatos: de CD, que têm a distribuição pela Tratore e em vinil (um pouco mais caro, mas que compensa), com ajuda do Selo Gaúcho 180 e o selo paulista RISCO, que abriga Memórias de Um Caramujo, Os Mojos Workers, Luiza Lian e Charlie & Os Marretas.

Classic Album é o fake doc que a banda lançou para divulgar o segundo disco, uma autopromoção original que passeia pelo retrô em parceria com uma lista de referências já conhecidas pelo público há mais de quatro décadas. Eles brincam com o passado e o presente em um vídeo bem editado, que conta com depoimentos de astros da música do quilate de Roger Walters, Eric Clapton, Ringo Starr, Stevie Wonder, David Gilmour e Tom Zé. Todos eles falam sobre a importância do O Terno na cena musical, e o que eles representam hoje. De propósito a banda teria existido na década de sessenta.
 

Para finalizarem o disco eles pediram uma vaquinha virtual, para pagar as despesas com a pós-produção, que incluía os custos do CD, vinil, prensas para capa de ambos, design gráfico do disco e resto das gravações em estúdio. A contribuição foi além do que eles precisavam e quem contribuiu pôde receber em casa pelos correios o material prontinho da banda.

Apesar do espírito dos anos sessenta presente nos dois discos, eles também demostram referências com a musicalidade atual, com leve inspiração na banda goiana Boogarins. Uma inspiração distinta, enquanto eles falam de temas campestres, mas com o mesmo estilo de arranjos perversos, O Terno se apoia na vida urbana com “O Cinza”.

O disco é todo contrastado por versos psicodélicos, já característica da banda, com letras intimistas, elevando o rock n´ roll ao patamar mais experiente e vibrante, perpetuado com o poder dos três. Entregando-se as particularidades que envolvem o brega brasileiro, incluindo novos e velhos experimentos já utilizados pela banda. O álbum O Terno crava de vez o estilo musical da banda e entregam um repertório de músicas originais e sonoridade harmônica.