FORMAÇÃO ORIGINAL DA BANDA O TERNO |
Por Laila Araujo Coelho
Os
anos sessenta foi uma década que influenciou os movimentos da contracultura.
Nessa época o rock and roll passa a
ser chamado apenas de rock, e o seu
principal expoente dentro do gênero são os Beatles (John Lennon, Paul
McCartney, George Harrison, Ringo Star). E até hoje continuaram servindo de
referência para inúmeras bandas, entre elas os paulistas do O Terno. Mas as
referências, influências ou homenagens, não se restringem apenas aos rapazes de
Liverpool (Reino Unido), com toques da Jovem
Guarda, como na primeira faixa que abre o segundo álbum da banda: “Bote ao
Contrário”. Eles fazem um som com uma pegada de rock, bossa nova e vanguarda.
Até
da fonte do Tropicalismo eles já beberam, como nos arranjos de “Ai, ai, Como Eu
Me Iludo”, forte influência do disco-manifesto Tropicália ou Panis et Circensis (1968), que tinha Gal Costa,
Mutantes, Nara Leão e o Tom Zé, este último que é personagem da letra irônica,
“Papa Francisco perdoa Tom Zé”. A participação do psicodélico cantor é
intensificada na faixa “Medo do Medo”, com solos de guitarra nervosos de
Bernardes, que fala sobre tristeza, dor e uma leve pitada de suicídio, do disco
homônimo O Terno (2014).
DIVULGAÇÃO PROMOCIONAL DO ÁLBUM O TERNO (2014) |
A
banda é formada pelo guitarrista Tim (Martin) Bernardes (vocal e piano), pelo
baixista Guilherme de D´Almeida (Peixe) e pelo baterista Gabriel Basile (que já
vinha acompanhando a banda nos últimos shows que fizeram no nordeste), que
ficou no lugar de Victor Chaves, que permaneceu junto ao trio por seis anos.
Eles
estão na ativa desde 2009, mas foi só em 2012 que lançaram o seu primeiro
álbum: 66, que saiu de forma
totalmente independente e com um surpreendente apoio da crítica musical e do
público. Tiveram talento e sorte. O jornal O
Globo classificaram o disco da banda como sendo, “um dos mais impressionantes discos de estreia de uma banda brasileira”.
Pela revista brasileira Rolling Stones
eles ficaram entre os 25 melhores álbuns de 2012. E no Prêmio Multishow (2012),
venceram na categoria de melhor clipe, com o molhado e divertido “66”,
produzido pela Alaska Filmes, dirigido por Marco Lafer e Gustavo Moraes. A
banda aparece tocando debaixo d´água, dentro de uma piscina e em outros
cenários aquáticos. A letra rebelde fala justamente da comparação da crítica
com o estilo musical retrô; anos
sessenta do disco, que o que eles cantam, já foi cantado por outras inúmeras
bandas, e se inovarem, vão falar mal.
Em 66 o disco deixa transparecer mais uma busca
por uma identidade sonora. Assumidamente influenciados pela musicalidade da
década de sessenta e a perseguição por mostrar um som atual, esse novo rock que
vem se desenvolvendo desde os anos dois mil. Como na terceira faixa “Eu não
preciso de Ninguém”, que entra o rock clássico e inconsequente.
Na
mesma pegada psicodélica eles entregam “Zé, Assassino compulsivo”, com algumas
histerias e humor negro: Enforcou
sua coleguinha quando era do pré/Mas que belo assassino que Zé se tornou/Sempre
alegre a cantar, a colega ele matou/Zé pegou a namorada com um amante, nu/E em
vários pedacinhos Zé o picotou/Escondeu todos os restos lá no seu jardim/E
alegre e sorridente Zé cantava assim. Que bem lembra o
personagem Alex DeLarge (Malcolm McDowell) no filme Laranja Mecânica (A
Clockwork Orange,1971,EUA) de Stanley Kubrick, na famosa cena de violência em
que Alex invade a casa do escritor, enquanto canta I'm singing in the rain.
“Morto” exala as cores de Araçá Azul (1973) de Caetano Veloso, Se você quiser acreditar/No cemitério do Araçá/Tem
uma pedra com seu nome. O universo do cantor baiano ainda é percebido, ou
seria perseguido em “Eu não preciso de ninguém”, com muito bom humor e diálogos
sensíveis eles deixam transparecer aspectos das composições de Caetano.
Divagam
por algumas décadas e estilos musicais conhecidos e se fundem na vanguarda
urbana paulistana, famosa nos anos oitenta. Dois anos antes já tinha aparecido
o grupo Garotas Suecas em Escaldante
Banda, claro que com menos rebusco. Os protagonistas de 66 são as guitarras que sustentam a base
para que a tríade masculina se expresse de forma nostálgica e criativa,
juntamente com os versos irônicos e autorais, entregando um dos álbuns mais
inventivos de 2012.
O
disco tem 10 faixas, sendo que cinco delas são autorais, as outras são de
Maurício Pereira (Os Mulheres Negras) com arranjos do trio. Com uma proposta
instrumental autêntica, eles poderiam até parecer um tanto repetitivos para os
menos atentos. Só que a força das letras e a bagagem musical empregada com
maturidade e o poder vocal de Tim Bernardes transformam a sonoridade da banda
que vai desde uma leveza até a complexidade de versos, bem melhor do que outras
bandas que já apareceram por aí.
O LOLLAPALOOZA 2015 FOI DE TERNO
Um
festival conhecido por trazer as bandas do cenário indie mundial para terras brasilis, nada mais justo do que ter em
um de seus palcos a melhor banda rock independente da atualidade.
Eles
se apresentaram no segundo dia do festival (29/03), debaixo de céu nublado,
assim como na letra “O Cinza”, trajando capas de chuva amarelas. As investidas nostálgicas
do grupo paulistano parecem ter agradado não somente ao público, mas a crítica
também, que elogiou a qualidade técnica do trio.
Mesmo
sendo prejudicado por falhas no som, O Terno entregou afinação nos acordes de
guitarra, piano e no órgão Hammond de Bernardes. Até ironizaram quando
agradeceram Jack White e Robert Plant, “Que sorte a nossa de ter gente como
Robert Plant e Jack White abrindo nosso show”, brincou Tim Bernardes.
As
músicas que mais empolgaram foram “Eu não preciso de ninguém”, “Papa Francisco
perdoa Tom Zé”, “Ai, ai, como eu me iludo” e o hit psicopata “Zé, assassino
compulsivo”. Aos poucos eles estão rompendo com o estilo “tradicional” pelo que
se entende como características de uma banda de rock.
O
Terno faz parte dos novos artistas que surgiram pós-2010, ainda que causem impacto
logo de cara por causa do tropicalismo de Caetano Veloso, tão clara na letra, Todo dia a gente pensa que dorme/Mas ninguém
sabe o que acontece/Quando estamos todos dormindo. De Transa (1972) do clássico álbum do cantor e fonte de influência
quase que paranoica.
TIC-TAC/HARMONIUM
Em
novembro de 2013 O Terno apresenta o EP Tic Tac/Harmonium, que tem o lado A e
B, com o nome das músicas respectivamente. Quem ouviu a versão online conferiu
o bônus track “Blood Stains”, cantada pelo alter ego da banda “The Suit”.
Somos
escravos do tempo e o relógio é o martelinho pertinente que nos persegue
durante toda a vida, “Tic Tac” fala exatamente disso e da correria da vida moderna
(no clipe fica bem explícito).
“Harmonium”
prende-se numa lenta tristeza, Será que
ninguém/Consegue assistir/O que a gente faz/Sozinhos aqui/Será que depois/Que a
gente morrer/Vamos assistir/O que não deu pra ver/Num grande cinema/Com quem já
morreu. É realmente o lado B, oposto daquilo que foi visitado pela banda
em 66.
A
década de setenta e a influência do Soul
Music em artistas como James Brown, Tim Maia e Amy Winehouse, todos serviram
de ingredientes para compor as músicas do EP. Tudo o que eles mostraram no
disco anterior se transformou em uma lista assertiva de referências que
permeiam todo o universo da banda, incluindo os dois discos e o EP.
E mais
uma vez a banda acerta na qualidade da relação do som com o vídeo, no clipe “Tic
Tic”, que foi produzido pela Amnésia Filme. O clipe é a integração da letra com
os acordes da música. Eles são confiantes e sabem o que estão vendendo para o
público.
Mesmo
sem ter uma quantidade razoável de vídeo clipes, eles surgem de uma maneira tão
natural, que é fácil absorver o que eles estão tentando expressar. Eles brincam
com a relação do tempo, a imagem em câmera lenta na corrida promovida pelo trio,
vai absorvendo os mais fracos, causando um impacto maior conforme a faixa vai
acelerando.
ÁLBUM “O TERNO”
(2014)
CAPA DO ÚLTIMO DISCO |
Depois
de usurparem até a última gota de inspiração que os anos sessenta deixaram
através de bandas como Os Beatles, Mutantes, The Kinks, Tom Zé... O Terno
entrega o atemporal disco que leva o mesmo nome da banda, consolidando de vez o
stalker pela figura do cantor e
compositor Caetano Veloso. Mas, com a mesma verve psicodélica irônica de seu
antecessor, 66. Sem a sonoridade tão
saudosista que impregnou, deixando para trás a década tão influente.
Do
resgate nostálgico do disco de estreia, agora soa mais como uma inspiração conceitual,
deixando-os mais “organizados”. Os arranjos e letras evoluíram para mostrar o
novo segmento sonoro desenvolvido pela banda.
Os
versos tortos e a visão deles da Paulicéia Desvairada, são vista na segunda
faixa de abertura, “O Cinza”. A guitarra ensurdecedora de Bernardes e o seu
poderoso vocal vão de encontro ao oposto do vintage
do passado. Eu
abro o olho e vejo no meio da rua/Sinal fechado o tempo passa e nada muda/O
povo corre mas não sabe bem pra onde/No fundo só querem fugir pra muito
longe/Mais um fim de tarde que garou em SP. Com uma letra que
foge do genérico, usando a descrição para compor uma homenagem a cidade de São
Paulo.
Mais
abrangente do que o disco anterior, que metade dele era de composições do pai
de Bernardes, Mauricio Pereira. Este último abre espaço para o regaste de uma
nova estética, já conhecida em 66.
Como a já mencionada “Medo do Medo”, assustadora. Abre passagem para o amor,
mesmo que de forma retraída, Juntos por
todo esse tempo/Às vezes eu me lamento/Eu fui feliz do seu lado, em “Eu vou
ter Saudades”. Acentuando o inteligente humor irônico conhecido do trio com
“Brazil”.
Se em seu début
O Terno fazia experimentos na busca da “identidade sonora”, apoiados no que os
anos sessenta tinham a oferecer, na segunda empreitada eles assumem a
maturidade e a evolução do que seria uma banda de rock garage.
As
participações especiais do último disco vão desde Tom Zé, e a sua presença
psicodélica; Marcelo Jeneci é o convidado que toca um órgão farfisa na
fantasiosa “Quando estamos todos dormindo”; um verdadeiro órgão Hammond da
década de sessenta é tocado pelo músico da banda Cachorro Grande, Pedro Pelotas,
nas faixas “Ai, ai, como eu me iludo, que lembra as músicas dos antigos
festivais e na balada “Eu vou ter saudades”, Luiz Chagas, Tulipa Ruiz e Arnaldo
Baptista (Os Mutantes) também participam dessa última, lembrando que O Terno
começou tocando covers dos Mutantes; a faixa “Desaparecido” tem as pinceladas
cinematográficas da dupla André Vac e Gabriel Milliet (Memórias de um
Caramujo), com rabecas e sopros em um universo bem camerístico.
A
gravação do segundo disco foi um pouco mais demorada e detalhada, eles
utilizaram o Estúdio Canoa, para produzirem e colocarem em prática todas as
teorias, experimentos, referências e ideias acumuladas durante os últimos anos.
A mixagem ficou por conta de Gui Jesus Toledo e preferiram gravar primeiro as
bases ao vivo, para depois injetarem os overdubs.
O Terno
também pode ser encontrado em dois formatos: de CD, que têm a distribuição pela Tratore e em vinil (um pouco mais caro,
mas que compensa), com ajuda do Selo
Gaúcho 180 e o selo paulista RISCO,
que abriga Memórias de Um Caramujo, Os Mojos Workers, Luiza
Lian e Charlie & Os Marretas.
Classic Album é o fake doc que a banda lançou para
divulgar o segundo disco, uma autopromoção original que passeia pelo retrô em parceria com uma lista de
referências já conhecidas pelo público há mais de quatro décadas. Eles brincam
com o passado e o presente em um vídeo bem editado, que conta com depoimentos
de astros da música do quilate de Roger Walters, Eric Clapton, Ringo Starr, Stevie
Wonder, David Gilmour e Tom Zé. Todos eles falam sobre a importância do O Terno
na cena musical, e o que eles representam hoje. De propósito a banda
teria existido na década de sessenta.
Para
finalizarem o disco eles pediram uma vaquinha virtual, para pagar as despesas
com a pós-produção, que incluía os custos do CD, vinil, prensas para capa de
ambos, design gráfico do disco e resto das gravações em estúdio. A contribuição
foi além do que eles precisavam e quem contribuiu pôde receber em casa pelos
correios o material prontinho da banda.
Apesar
do espírito dos anos sessenta presente nos dois discos, eles também demostram
referências com a musicalidade atual, com leve inspiração na banda goiana Boogarins.
Uma inspiração distinta, enquanto eles falam de temas campestres, mas com o
mesmo estilo de arranjos perversos, O Terno se apoia na vida urbana com “O
Cinza”.
O
disco é todo contrastado por versos psicodélicos, já característica da banda,
com letras intimistas, elevando o rock n´
roll ao patamar mais experiente e vibrante, perpetuado com o poder dos três.
Entregando-se as particularidades que envolvem o brega brasileiro, incluindo
novos e velhos experimentos já utilizados pela banda. O álbum O Terno crava de vez o estilo musical da
banda e entregam um repertório de músicas originais e sonoridade harmônica.